terça-feira, 21 de dezembro de 2010

A trágica vida de Manuel Laranjeira

Longe de querermos ou desejarmos cultivar o pessimismo destrutivo de Manuel Laranjeira, cabe-nos a nós alertar para as causas desse negro sentimento, responsável pela transformação da vida deste intelectual português numa verdadeira pena que o arrastou para um trágico e precoce desfecho.

Manuel Laranjeira.
«Diz-se que a sociedade portuguesa vai atravessando uma crise sobreaguda de sombrio pessimismo, o que é uma verdade de todos os dias; e há quem afirme com argumentos cheios de brilho literário que esse pessimismo é o sintoma claro e indiscutível duma degenerescência do nosso povo, o que é uma hipótese, se não totalmente errónea, pelo menos infinitamente duvidosa e muito discutível.

Decerto: numa terra onde homens de génio como Antero de Quental, Camilo e Soares dos Reis, têm de recorrer ao suicídio como solução final duma existência de luta inglória e sangrenta; numa sociedade onde o pensamento representa um capital negativo, um fardo embaraçoso para jornadear pelo caminho da vida; num povo onde essa minoria intelectual, que constitui, o orgulho de cada nação, se vê condenada a cruzar os braços com inércia desdenhosa, ou a deixá-los cair desoladamente, sob pena de ser esterilmente derrotada; num país, onde a inteligência é um capital inútil onde o único capital deveras produtivo é a falta de vergonha e a falta de escrúpulos - o diagnóstico impõe-se de per si.
O desalento e a descrença alastram. No ar respira-se o cepticismo. E a à medida que o mal-estar colectivo se vai resolvendo quotidianamente em tragédias individuais, o sentido da vida, em Portugal, parece ser casa vez mais fúnebre e mais indicativo de que vamos arrastados, violentamente arrastados por um mau destino, para a irreparável falência e de que nos afundamos definitivamente.

Mas porquê? O mal, na verdade, será a morte? Estará isto, como se diz expressiva e resumidamente, irremediavelmente perdido? Estará a raça portuguesa (deixem-me exprimir assim), como agregado autónomo, como indivíduo colectivo, condenada a desaparecer integralmente, isto é, a ser dissolvida na massa comum da espécie humana? Será Portugal, na frase cruel do lord inglês, - uma nação morta, destinada a ser devorada pelas nações vivas?
»
 Manuel Laranjeira em O Pessimismo Nacional.

Nascido a 1877 em São Martinho de Mozelos, próximo de Santa Maria da Feira, Manuel Laranjeira pertenceu a toda uma geração portuguesa de génios suicidas, imortalizada pelo seu amigo Miguel de Unamuno na obra Por tierras de Portugal y de España, num capítulo intitulado Un pueblo suicida
Na realidade, Manuel Laranjeira padecia de uma neurastenia crónica, agravada pelo profundo descrédito na sociedade do seu tempo, em particular da classe política, classificada por ele como medíocre, corrupta e incapaz. Dotado de um saber enciclopédico invulgar, a possibilidade de estudar, vindo a formar-se em medicina, foi-lhe concedida por um tio que fizera fortuna no Brasil. Oriundo de um meio modesto, dificilmente teria tido oportunidade de ingressar na academia não fosse esse importante contributo familiar.
Desde cedo cultivou uma série de interesses, abrangendo áreas como crítica social, religião, política, literatura, artes, medicina, filosofia, entre outros assuntos sobre os quais publicou vários artigos em periódicos como Revista Nova, A Arte, A Voz Pública e O Norte.
Travando amizade com alguns dos principais intelectuais portugueses da sua época, entre os quais Amadeo de Souza-Cardoso, Teixeira de Pascoaes, Ramalho Ortigão, João de Barros ou Afonso Lopes Vieira, rapidamente se sentiu invadido por um trágico sentimento de abandono a que os pensadores e artistas eram votados pela sociedade portuguesa. Incapaz de deixar de cultivar esse pessimismo que  acaba por transformar-se num mal de alma e espírito, Manuel Laranjeira começa a ceder, abraçando a boémia, perdendo-se nas suas oscilações de humor que o conduziram a um profundo estado de depressão, agravado pela falta incentivo e acompanhamento cultural.
Acamado, vítima de sífilis nervosa e de um crescente mau estar existencial, provocado por uma Pátria ausente e decadente, Manuel Laranjeira, a quem muitos lembram como um místico laico, encontra apenas aquela que, segundo Miguel de Unamuno, era a única solução ou saída para os homens honrados em Portugal - o suicídio. Pôs termo à sua vida com um tiro na cabeça no dia 22 de Fevereiro de 1912.

Desenho de Amadeo de Souza-Cardoso, caricaturando o artista amarantino
a pedalar juntamente com o seu amigo Manuel Laranjeira (1906).

Em 2002, Manuel Poppe escreveu uma peça de teatro intitulada a Tragédia de Manuel Laranjeira, editada pelo Editorial Teorema, na sua colecção Gabinete de Curiosidades. Esta obra, facilmente lida em aproximadamente uma hora, não poderia ser hoje mais oportuna. Por um lado, ela presta uma justa homenagem a uma das figuras dignas de destaque de finais do nosso século XIX, inícios do século XX. Por outro, a gritante actualidade desta peça convida-nos a reflectir sobre o actual estado da nação. Ao lermos  a Tragédia de Manuel Laranjeira, rapidamente nos apercebemos dos paralelismos existentes entre a sociedade do tempo em que Manuel Laranjeira viveu e aquela em que hoje, a custo, vamos sobrevivendo.
Pela sua actualidade, este seria certamente um texto dramático a merecer um estudo atento nas nossas escolas, substituindo-se esta peça pelas já descontextualizadas e suficientemente politizadas obras Felizmente há Luar! de Luís de Sttau Monteiro e O Judeu de Bernardo Santareno. Contudo, não podemos esquecer que o ensino não é livre e que quem faz política com representatividade neste país sente-se orgulhosamente herdeiro da mesma estirpe política que tanto desgastou esse Portugal suicida do tempo de Manuel Laranjeira.

Capa de A Tragédia de Manuel Laranjeira.

3º Amigo
Especial?! (debruça-se para Manuel Laranjeira, curioso e receoso) Que imposto?...

Manuel Laranjeira
Um que ainda não existe! Mas há-de existir um dia! O imposto sobre a estupidez!

3º Amigo
Ah!, esse não existe... (aliviado)

(os amigos riem)

1º Amigo
É uma sorte para muita gente!

2º Amigo
Uma sorte grande!

Excerto da peça A Tragédia de Manuel Laranjeira de Manuel Poppe.

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