sábado, 30 de outubro de 2010

A Morte da Filosofia Portuguesa segundo Miguel Real

Diz um ditado recente que quem não sabe é como quem não lê. Contudo, existem casos em que, mesmo lendo, alguns parecem querer continuar sem saber. Miguel Real representa um dos casos mais flagrantes desta realidade, à qual acrescentamos uma pesada agravante, isto é, a sua palavra é escutada, lida e tomada em consideração, disseminado-se a asneira na (des)aprendizagem geral. 
Não querendo cair na tentação de um fácil julgamento público, preferimos concentrar-nos em apenas uma das suas patetices, partilhando-a neste nosso espaço, para que cada um possa tirar as devidas ilações. Assim, segue-se o recorte de uma revista semanal, contendo uma crónica de Miguel Real ao mais recente livro de Paulo Borges, intitulado Uma Visão Armilar do Mundo. Nesta crítica ao trabalho de Paulo Borges, o insigne opinador anuncia aos sete ventos a morte da Filosofia Portuguesa, em virtude da sua elevação a bem maior da humanidade, enquanto traço característico da universalidade do Ser Português, demonstrando  com esta sua perspectiva um perfeito desconhecimento da missão de Portugal, da essência do V Império, ou da chegada deste, num claro regresso à idade dourada do Homem em comunhão com o Sagrado.
Em jeito de conclusão, fica aqui a crónica que convidamos a ignorar, relativa ao livro que recomendamos ler. Felizmente para todos, a Filosofia Portuguesa encontra-se viva e de excelente saúde.

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sexta-feira, 29 de outubro de 2010

O Encoberto poderá ser D. Afonso Henriques

O Encoberto

Que símbolo fecundo 
Vem na aurora ansiosa? 
Na Cruz Morta do Mundo 
A Vida, que é a Rosa. 

Que símbolo divino 
Traz o dia já visto? 
Na Cruz, que é o Destino, 
A Rosa, que é o Cristo. 

Que símbolo final 
Mostra o sol já desperto? 
Na Cruz morta e fatal 
A Rosa do Encoberto. 

Fernando Pessoa em Mensagem (1934).

Para além da Saudade, um outro importante traço definidor do Arquétipo Português, do nosso imaginário colectivo, é o Messianismo. Em ambos os casos, quando discutidos, assistimos a calorosas e apaixonadas intervenções, seja por força de uma mera questão de definição conceptual, seja em virtude da concordância ou não com estes sentimentos ou emoções. Em todo o caso, o Messianismo Português, mormente apelidado de Sebastianismo, numa clara alusão ao jovem monarca português desaparecido precocemente na batalha norte-africana de Alcácer-Quibir de 4 de Agosto de 1578, acompanha-nos até nos nossos dias, ainda que de forma dissimulada e muitas vezes "encoberta". Várias são as vozes que têm vindo a apontar este traço, tão característico da nossa personalidade pátria, como uma das principais causas da inércia em que temos vindo a mergulhar, sem se aperceberem da necessária proactividade que o Sebastianismo requer na busca pelo tão almejado V Império. Talvez sem se aperceberem, estas vozes críticas, geralmente escravas de um fundamentalismo racional, revisitam o celebre episódio camoniano do Velho do Restelo, augurando maus presságios que, obviamente, esperamos nunca se venham a concretizar.
O Messianismo Português entra no séc. XX pela mão de Sampaio Bruno, em particular, através do seu livro O Encoberto. Contudo, é com Fernando Pessoa que a questão do Desejado é novamente retirada do domínio das elites intelectuais, sendo devolvido ao povo.  

D. Sebastião representado por Lima de Freitas.

Com o nascimento da Filosofia Portuguesa, enquanto movimento filosófico nacional, a questão do Sebastianismo tornou-se de imediato um  dos seus temas nucleares, podendo ser acompanhado nas obras de pensadores como José Marinho,  Francisco Cunha Leão, António Quadros, Pinharanda Gomes, entre outros. 
Em 1987, José van den Besselaar foi convidado pelo Instituto de Cultura e Língua Portuguesa a escrever uma pequena obra sintetizadora do Sebastianismo, para ser integrada na colecção Biblioteca Breve, hoje disponibilizada, integralmente, online de forma gratuita pela Biblioteca Digital Camões.  Foi nessa obra, intitulada O Sebastianismo - História sumária, que o autor avançou com uma hipótese para a identidade do Desejado que, não sendo surpreendente, é no mínimo curiosa e menos conhecida do grande público. Assim, José van den Besselaar apresenta uma nota de um monge copista, encarregue de transcrever as Esperanças de Portugal do Padre António Vieira, por alturas da reabertura do processo de canonização de D. Afonso Henriques,  em 1728 por ordem de D. João V, na qual é sugerido o nome do primeiro monarca português como o Desejado ou o Encoberto. É essa interessante nota anónima que hoje vos deixamos neste espaço.
«Até aqui o insigene [sic] e inimitável Padre António Vieira [...]; ele fala com excessivo e meritíssimo amor ao Sereníssimo Rei D. João IV, ao qual prefere com restrita [= exclusiva] inteligência a outro qualquer monarca, fazendo-o particular objecto das suas bem fundadas ponderações e do sentido das profecias do Bandarra, que os seus discursos justamente honra. [...] Mas, como na matéria é problemática, de que o Reverendíssimo Padre não duvida, venerando quanto aqui nos propõe, se dará licença para que sobre a ressurreição  prometida diga um ignorante simbólico [= rematado] também alguma coisa. [...] Protesto não criticar cousa alguma do que aqui vemos escrito e venero, mas falar problematicamente [= hipoteticamente]...

É o poder de Deus infinito, e pode ressuscitar a quem for servido, tanto a um como a outro, e a muitos reis e pessoas segundo as disposições de sua divina vontade e altíssimas e inescrutáveis obras e juízos.
Bandarra, quando vaticina que um rei há-de vencer, bater e sujeitar o Turco, entre muitas outras cousas que pondera diz:

As armas e o pendão
e o guião
foram dadas por vitória
naquele alto Rei da glória,
por memória,
a um santo Rei varão
em possessão.
O Calvário por bandeira
levá-lo-á por cimeira
e alimpará a lameira
(outros dizem: a carreira)
de toda a terra do Cão.
Com que parece que, devendo haver ressurreição de rei, para obrar as maravilhas que profetiza a favor da Igreja e contra o Turco, nos assinala primeiro ao Sr. Rei D. Afonso Henriques, dotado de tantas virtudes, favores do Céu e proezas, a quem o mesmo Cristo deu em possessão as armas [...], para se cumprir nele a profecia que se entende faz da ressurreição de um rei, dizendo que este as levará por cimeira e limpará toda a terra do Cão, como naturalmente se infere das expressões do Bandarra, e que este se deve entender ser o Rei santo e todo o bem-aventurado, a que ele em outra parte aponta; pois se considera tão santo e justo nos progressos da sua vida que está no lance de ser brevemente canonizado...»
O Encoberto, painel de azulejos da autoria de Lima de Freitas.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Uma Casa Portuguesa

Uma Casa Portuguesa

Numa casa portuguesa fica bem
pão e vinho sobre a mesa.
Quando à porta humildemente bate alguém,
senta-se à mesa co'a gente.
Fica bem essa fraqueza, fica bem,
que o povo nunca a desmente.
A alegria da pobreza
está nesta grande riqueza
de dar, e ficar contente.

Quatro paredes caiadas,
um cheirinho a alecrim,
um cacho de uvas doiradas,
duas rosas num jardim,
um São José de azulejo
sob um sol de primavera,
uma promessa de beijos
dois braços à minha espera...
É uma casa portuguesa, com certeza!
É, com certeza, uma casa portuguesa!

No conforto pobrezinho do meu lar,
há fartura de carinho.
A cortina da janela e o luar,
mais o sol que gosta dela...
Basta pouco, poucochinho p'ra alegrar
uma existência singela...
É só amor, pão e vinho
e um caldo verde, verdinho
a fumegar na tigela.

Quatro paredes caiadas,
um cheirinho a alecrim,
um cacho de uvas doiradas,
duas rosas num jardim,
um São José de azulejo
sob um sol de primavera,
uma promessa de beijos
dois braços à minha espera...
É uma casa portuguesa, com certeza!
É, com certeza, uma casa portuguesa!


Letra de Reinaldo Ferreira.

João Maria Tudella interpreta Uma Casa Portuguesa.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

O misticismo artístico de António Carneiro

Em poucos pintores podemos assistir a um diálogo tão próximo entre Deus, uma metafísica do Eu, poesia  e expressão plástica, como em António Carneiro. O abandono do pai, a morte da mãe enquanto era ainda bastante novo e, posteriormente, a precoce morte da sua filha Maria Josefina, abriram feridas incicatrizáveis no seu Ser, assim como as portas da percepção divina.
Nascido na cidade de Amarante, no seio de uma família humilde, a 16 de Setembro de 1872, este artista português encarnou o papel de um dos mais interessantes artistas portugueses da sua época, trilhando um caminho inimitável, singular na História da Pintura Portuguesa dos sécs. XIX e XX. Tendo iniciado os seus estudos artísticos com o intuito de tornar-se escultor, foi nos domínios da pintura, desenho e ilustração que se destacou, permanecendo marginal ao gosto generalizado da época, sem descurar porém as correntes e discussões artístico-filosóficas vigentes no Portugal da altura.

António Carneiro fotografado no seu atelier em 1929,
diante de um quadro inacabado.

Tendo percorrido vários países como a Bélgica, Brasil, Itália ou França, contactando com diversos círculos artísticos e intelectuais, participando em exposições e mostras de pintura, onde recebeu vários galardões internacionais, foi no entanto Portugal que António Carneiro pintou. Sensível à sua fisionomia natural, interpretando-a como uma das faces de Deus na terra, a sua obra faz lembrar a expressão panteísta cristã do seu conterrâneo e amigo Teixeira de Pascoaes, imortalizando com o seu trabalho os gestos de pessoas, divinizando-as no seu anonimato, tal como às vagas do mar, o voo das gaivotas, entre outros pormenores da sagrada natureza.
«Em Matosinhos, em Leça, António Carneiro espiritualizou também como em toda a parte, as suas criações com uma suave combinação de místico e de bucólico, uma espécie de meia tinta que reluz no colorido das auroras e vela no transbordante dos crepúsculos.
Para António Carneiro, espiritualizar a paisagem era interpretar um sonho, às vezes com uma tristeza de poesia. (...) António Carneiro pintou muito, fazendo largo culto do seu culto de artista. (...)
Ao contrário de Claude Lorrain, António Carneiro não se abstraía dos homens e de todo o resto da criação animal. Mas para ele como para Claude Lorrain, a Natureza eram as árvores, era o chão cheio de sombras ou cheio de sol, eram as transparências liquidas dos regatos, era o mar, eram os rios e eram os segundos planos afastados onde os seus olhos penetravam e imediatamente descobriram uma fuga imprevista do horizonte, uma dilatação luminosa de perspectivas.
A Arte só começa a ser divina quando se torna impassível, e o artista só é um Deus quando, em vez de manifestar as suas ideias, interpreta o pensamento da Natureza. Assim foi, assim fez António Carneiro. (...)
António Carneiro foi, desde menino, um místico que olhava para dentro, para ele mesmo e possivelmente para Deus - um místico com especiais sentimentos poéticos caldeados na desventura do seu modesto nascimento. E como pintor era um artista nato, artista por vocação a manifestar-se desde a adolescência.
»
 Jaime Ferreira em António Carneiro (1972).
 
Torna-se quase arrepiante quando nos apercebemos de como a obra de António Carneiro se tratava de um mero prolongamento da sua força interior, com origem nesse misticismo que transcende a efemeridade terrestre. As imagens que aqui decidimos apresentar, entre fotos, pinturas e desenhos, visam documentar esta realidade, mais do que apresentar a obra deste multifacetado génio da pintura portuguesa que, obviamente, convidamos a (re)descobrir.
Tendo privado com os maiores da sua época, poderia ter-se notabilizado apenas como retratista de uma verdadeira constelação de personalidades marcantes do séc. XX português, sendo Teixeira de Pascoaes, Teixeira Lopes, Cláudio Carneiro, Guerra Junqueiro ou Guilhermina Suggia apenas alguns desses nomes. Mas não, António Carneiro, numa perspectiva positivista revelou-se um artista maior, experimentando diversas gramáticas estéticas, um precursor incompreendido pelas massas, mas acariciado por uma fidelidade férrea entre a elite intelectual, tendo do ponto de vista metafísico transcendido a sua humanidade através da sua obra e vivência gnoseológica, conquistando assim a imortalidade e um merecido lugar entre os grandes do Génio Português.

Fotografia e assinatura de António Carneiro.

Auto-retrado como Ecce-Homo (1901).

Auto-retrato (1918).

Desenho com auto-retrato oferecido e dedicado à
grande violoncelista Guilhermina Suggia. 

Auto-retrato (1923).

Retrato de Teixeira de Pascoaes (1923).

Raquel (estudo para uma obra datada de 1905).

A Ceia (1904).

Tríptico constituído pelos painéis da Esperança, Amor e Saudade (1899-1901).

Eco, Mensageiro da Linguagem Universal (c. 1907).

Nocturno - Largo do Sacristão em Leça (s.d.).

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Professor José Mattoso em entrevista ao Público

Pudemos ler na edição online de ontem do jornal diário Público uma extensa, mas sempre interessante, entrevista ao Professor Doutor José Mattoso, cuja leitura, obviamente, recomendamos. Nela, o reconhecido medievalista português, autor e director de uma da principais obras da historiografia portuguesa, teceu importantes notas de cariz autobiográfico, dando a conhecer um pouco melhor o homem para lá da sua obra.
Destaque especial para a partilha que, o investigador nascido em 1933, fez da sua experiência  de  20 anos como monge beneditino, assim como da sua incessante procura de Deus e do seu significado vivo.

(Clicar na imagem para aceder à entrevista.)

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Portugal no programa radiofónico Méridien Zéro

A emissão número 21 do programa de rádio Méridien Zéro, da RBN (Radio Bandiera Nera), teve como tema central Portugal, abordando alguns dos aspectos essenciais de uma parte da nossa história, cultura e tradição. A acompanhar esta transmissão, como convidado especial, esteve o nosso amigo Duarte Branquinho, presidente da Associação Terra e Povo, conhecido na blogosfera pelo seu blog militante Pena e Espada. Esta interessante análise ao âmago de Portugal e da Portugalidade encontra-se já disponível em podcast no site oficial do Mériden Zéro, pelo que recomendamos uma audição atenta.

domingo, 24 de outubro de 2010

A Passarola de Bartolomeu de Gusmão

A Passarola de Bartolomeu de Gusmão foi lembrada num artigo sobre os tesouros do Arquivo Secreto do Vaticano, publicado na edição de Outubro de 2010 da revista italiana Focus Storia. Nele é mencionada a forma como o padre jesuíta português antecipou, em aproximadamente 74 anos, o famoso balão dos irmãos Etiene e Joseph Montgolfier, tornando-se dessa forma um dos principais pioneiros da conquista dos céus.

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sábado, 23 de outubro de 2010

Biblioteca Particular de Fernando Pessoa colocada online


A Biblioteca Particular de Fernando Pessoa foi finalmente colocada online de forma parcial, através do site da Casa Fernando Pessoa. Dizemos de forma parcial uma vez que, ao contrário do que nos foi avançado pela comunicação social e órgãos porta-voz da Casa Fernando Pessoa, nem todas as obras se encontram  disponíveis para consulta online, havendo algumas que, mesmo em formato digital, conservam o estatuto de reservadas. Uma vez mais questionamo-nos sobre o porquê desse medo numa partilha que é também um direito de todos.
Polémicas à parte,  as fontes oficiais informaram que os livros constituintes da biblioteca do autor, estão agora ao alcance do mais comum dos cidadãos, apenas à distância de um clique. 
Num total de 1140 livros e manuscritos pertencentes à colecção privada do autor, esta iniciativa, patrocinada pela Fundação Vodafone Portugal, disponibilizou um importante acervo para os investigadores do universo pessoano espalhados mundo fora. Resta-nos agora esperar que semelhantes iniciativas abranjam brevemente outros importantes autores e pensadores portugueses.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Revisitar Sóror Mariana Alcoforado

«Amo-te mil vezes mais do que a vida e mil vezes mais do que penso.
Como me és querido e como me és tyranno!
Não me escreves...
Não pude cohibir-me de te dizer isto, outra vez!
Vou recomeçar, e o official que se vá embora.
Que importa? Que parta...
Escrevo mais para mim do que para ti.
Busco apenas aliviar este coração.
Também, o comprimento d'esta carta vae metter-te medo...
Não a lerás.
Que fiz eu para ser tão desditosa?!
E porque me envenenaste assim a vida?
Ah porque não nasceria eu bem longe d'esta terra.
Adeus, perdoa-me.
Não me atrevo já a pedir-te que me ames.
Vê a que me reduziu o meu destino!...
Adeus.
»
Excerto da Segunda carta de amor, atribuída a Sóror Mariana Alcoforado. 

Segundo reza a história, o destino de Mariana Alcoforado fora desde cedo traçado por vontade dos seus pais que, de acordo com os costumes da época, falando-se em concreto de um período balizado entre o séc. XVII e o séc. XVIII, a destinaram à vida conventual. 
Já membro da Ordem Clarissas, mais por imposição familiar do que por verdadeira vocação mística ou espiritual, ela acaba por apaixonar-se pelo Marquês de Chamilly, um militar francês, de passagem por Portugal para apoiar a causa da Casa de Bragança, já no final da Guerra da Restauração, em meados de 1667 e 1668, quando este participava em manobras junto do convento de Beja onde se encontrava encerrada.
O envolvimento entre os dois tornou-se inevitável, resultando num terrível escândalo, em virtude da posição da família Alcoforado, da qual fazia parte Mariana. Temeroso do resultado da sua conduta, socialmente imprópria segundo os valores da época, o cavaleiro francês regressa apressadamente a casa, abandonando Mariana após alegados problemas familiares, falseando-a com promessas de um pronto regresso e reencontro.
É no seguimento desta separação de proporções flagelares que nascem as cinco pretensas cartas de Sóror Mariana Alcoforado que, durante séculos, comoveram e comovem ainda até os mais duros corações. Movida primeiramente pela esperança no reencontro, Mariana, vê-se invadida pela incerteza das longas noites em claro, na sequência do silêncio do seu amado Chamilly, até ao momento em que se mentaliza do abandono a que foi por ele sujeita.
Apesar das paixões que estas cartas inspiraram, um pouco por toda a parte, existem algumas dúvidas quanto à sua autenticidade, desde logo colocada em causa por autores como Jean-Jacques Rousseau, Alexandre Herculano ou Camilo Castelo Branco. Não obstante, as cartas de amor desta freira portuguesa contribuíram para a sua mitificação, não apenas num contexto nacional, mas também num plano ibérico e europeu, tal foi a expansão e identificação pessoal e colectiva com a dor da suposta autora e o seu profundo mal de amor. Vejamos, por exemplo, o que disse Teixeira de Pascoaes, em 1952, sobre o papel de Sóror Mariana na constituição mítica e espiritual d'a Alma Ibérica, na sua última conferência pública antes de falecer:
    «O osso ibérico deu o esqueleto de Cervantes. A carne lusitana deu o coração de Mariana e  o misticismo pantaísta de Frei Agostinho da Cruz. (...) Mas se quisermos obter a sentimentalidade peninsular temos que acrescentar a Santa Teresa a Sóror Mariana. São as duas mais belas expressões do amor. Mariana é o amor humano à força de ser divino. Teresa é amor divino à força de ser humano.»
Foi este carácter metafísico que, aliado ao aspecto romântico do amor proibido entre a monja portuguesa e o cavaleiro franco, ajudou a imortalizar e enraizar também  na cultura popular a figura de Sóror Mariana Alcoforado. Foram vários os escritores, dramaturgos, poetas, músicos e cineastas que se inspiraram nesta figura incontornável da cultura portuguesa. Até o próprio polémico realizador Jess Franco, ao escrever e dirigir o seu filme Die Liebesbriefe einer portugiesischen Nonne, se baseou, ainda que de uma forma excessivamente livre, naquela que foi sem dúvida uma das mais famosas freiras portuguesas.

 
Trailer do filme de 1977 Die Liebesbriefe einer portugiesischen Nonne,
realizado por Jess Franco.

Entre 18 de Outubro e 30 de Novembro, a companhia de teatro Seiva Trupe - Teatro Vivo, levará a cena no Teatro do Campo Alegre, a peça A Freira Portuguesa, da autoria da dramaturga italiana Maricla Boggio e inspirada nas famosas Cartas de Amor ao Cavalheiro de Chamilly de Sóror Mariana Alcoforado. Esta peça conta com a encenação de Claudio Hochman e com a interpretação dos actores Jorge Loureiro, Adriana Faria, Ana Oliveira, Cristina Cardoso, Filipa Duarte e Maria Mata, constituindo-se uma excelente oportunidade para revisitarmos esta história de paixão proibida e o mito que dela nasceu.

Teatro do Campo Alegre
Rua das Estrelas
4150-762 - Porto

Horário das apresentações
Terça-Feira a Sábado - 21:45
Domingo - 16:00

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Ser Português segundo Pascoaes

«Ser português é também uma arte, e uma arte de grande alcance nacional, e, por isso, bem digna de cultura.O mestre que a ensinar aos seus alunos, trabalhará como se fora um escultor, modelando as almas juvenis para lhes imprimir os traços fisionómicos da Raça lusíada. São eles que a destacam e lhe dão personalidade própria, a qual se projecta em lembrança no passado, e em esperança e desejo no futuro. E, em si, realiza, deste modo, aquela unidade da morte e da vida, do espírito e da matéria, que caracteriza o Ser.O fim desta arte é a renascença de Portugal, tentada pela reintegração dos portugueses no carácter que por tradição e herança lhes pertence, para que eles ganhem uma nova actividade moral e social, subordinada a um objectivo comum superior. Em duas palavras: colocar a nossa Pátria ressurgida em frente ao seu Destino.As Descobertas foram o início da sua obra. Desde então até hoje tem dormido. Desperta, saberá concluí-la... ou, melhor, continuá-la, porque o definitivo não existe.»
Teixeira de Pascoaes em Arte de Ser Português.

Lançado em 1915, escrito em apenas quinze dias e dedicado à mocidade, a Arte de Ser Português apresenta-se ainda hoje como a mais bela psico-biografia da Pátria Portuguesa. Nela, o escritor amarantino, príncipe espiritual do alto Marão, principal teorizador da saudade enquanto traço exclusivo da cultura e pensamento nacional, descreve de uma forma bastante clara e directa a essência e potência do Ser português enquanto colectivo espiritual que nos envolve e carinhosamente abraça, com o mesmo amor e fervor com que os braços dos bons pais envolvem os seus filhos.
O desígnio do autor, expresso no seu texto introdutório a esta obra, apontava para o desejo da sua adopção pelos estabelecimentos escolares a fim de preservar e promover a disciplina do amor à Pátria Portuguesa. Assim, tendo em conta o actual estado da Nação, nomeadamente em relação à Educação e à falta de amor próprio, cultivada por interesses externos desvirtuadores dos reais interesses portugueses, atendendo ao conteúdo programático do livro, resta-nos aqui oportunamente relembrá-lo pela sua actualidade e urgente divulgação.
Na edição mais recente de Arte de Ser Português, editada pela Assírio & Alvim e distribuída também em formato de bolso pela Biblioteca Editores Independentes, o seu tardio prefaciador, Miguel Esteves Cardoso, afirmou categoricamente nas primeiras linhas do seu texto que o Portugal e os portugueses de Pascoaes não passavam de meras ficções criadas pelo autor. Resta-nos a nós, portugueses de alma e coração, darmos provas do contrário. Estamos ainda a tempo de nos conciliarmos com a Pátria Mãe, voltando a dignificar e honrar o seu nome. Como diz o proverbio popular: «Bom filho a casa torna».

Auto-retrato de Teixeira de Pascoaes.

Pensar os Pensadores do Socialismo

«Conhece-te a ti próprio e ao teu adversário e em cem batalhas vencerás cem; Se te conheceres mas não conheceres o teu adversário, em cem batalhas vencerás cinquenta; Se não te conheceres nem conheceres o teu adversário, em cem batalhas não vencerás nem uma.»
Sun Tzu em A Arte da Guerra.

A CULTRA (Cooperativa Culturas do Trabalho e do Socialismo) organiza no próximo fim-de-semana, dias 23 e 24 de Outubro, na Academia Contemporânea do Espectáculo, no Porto, um ciclo de conferências constituído por dois painéis diários, destinados a analisar o pensamento de alguns dos principais teóricos do socialismo, numa iniciativa já realizada em outras cidades portuguesas.
As apresentações de Karl Marx, Mao Tsé-Tung, Vladimir Lenine e Leon Trotsky  ficarão a cargo dos advogados do diabo do costume, João Teixeira Lopes, Fernando Rosas, Luís Fazenda e Francisco Louçã, respectivamente.  
Será uma boa oportunidade para ficarmos a conhecer melhor alguns dos mais abjectos pensadores da época contemporânea, bem como a retrograda posição de quem os defende, assim como às suas ideologias, responsáveis, entre outros factores como o capitalismo desenfreado, pela mutilação do Império Português e  a decadência do mundo moderno em geral.

Academia Contemporânea do Espectáculo 
Praça do Coronel Pacheco nº 1, 
4050 Porto

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Portugal bateu no fundo?

 

O vinho paga 13% de iva.  
O leite enriquecido com cálcio passa a ter o iva taxado a 23%, em vez dos anteriores 9%.
Os bilhetes para o futebol continuam a pagar apenas 6%.  

Esta informação confirma-se, ou foi só mais um pesadelo causado pelo estado de sítio em que permanentemente vivemos, graças aos culpados de sempre?

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Jorge Barradas - representações populares

O site da Biblioteca Nacional de Portugal possibilita, ainda que de forma limitativa, a exploração de parte do valiosíssimo acervo daquela instituição, património de todos os portugueses que a ele deveriam poder aceder, pelo menos digitalmente, sem qualquer tipo de restrições ou reservas.
Foi numa das frequentes “pesquisas turísticas”, habitualmente realizadas naquela plataforma digital, que encontramos as seguintes gravuras do artista português Jorge Barradas. Nelas encontramos representadas algumas das mais típicas personagens da cidade de Lisboa, destacando-se o ardina, a leiteira, a vendedora, a varina, a lavadeira, o saloio e o marujo. Não deixa de ser curiosa a simbiose do traço modernista com a temática popular, tão a gosto do Secretariado de Propaganda Nacional de António Ferro. Estas gravuras datam de 1933 e inserem-se no designado "bom gosto" da época, muito apreciado nesta casa.

Ardina.

Leiteira com o casario popular ao fundo.

A varina entre o casario popular.

As lavadeiras.

Uma jovem leiteira com um marujo.

Saloios.

Retrato de uma varina.

Retrato de uma varina.

Vendedeira de fruta.

Vendedeiras saloias.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Inauguração!

«Se vens como amigo,
entra, a casa é tua.
Se não vens também te digo,
é melhor ficares na rua.»

                                                                 Ditado popular.

Eis que finalmente abrimos as portas e janelas desta cibernética, mas tradicional, casa portuguesa. Há muito desejada, planeada e estudada, hoje é finalmente inaugurada, sendo humildemente colocada ao serviço dos interesses pátrios nacionais (na verdadeira acepção das palavras). Sempre com atenção ao que se passa além-fronteiras, este espaço propõe-se constituir um farol da Portugalidade.
Aqui, todo o bom português é bem-vindo, tal como o estrangeiro que nos saiba acarinhar, admirar e respeitar. Chamam-se assim os amigos verdadeiros, convidando-os a louvar o nosso passado, discutir o nosso presente e sonhar o nosso futuro. Conforme escreveu o saudoso Raul Lino:
«Parece que a melhor divisão numa habitação devia ser a casa de estar. Aí se reúne a família e se recebem os amigos a qualquer hora do dia.
Em geral os portugueses gostam de possuir uma sala de jantar muito grande. Se por um lado este costume lembra a tradicional hospitalidade portuguesa, por outro lado coaduna-se indiscretamente com a proverbial gulodice nacional.
»
Assim seja! Bem-vindos!


Ilustração da autoria de Raul Lino retirada do livro
A Nossa Casa
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