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Goa foi retomada em quatro horas, no dia 25 de Novembro de 1510, dia de Santa Catarina. Como sempre, na véspera de uma batalha, Afonso de Albuquerque tinha conseguido apagar rancores e ódio do coração dos seus capitães, reanimando-lhes o ardor guerreiro e a confiança que, afinal, não podiam deixar de sentir pelo grande talento militar do chefe.»
Geneviène Bouchon em Afonso de Albuquerque - O Leão dos Mares da Ásia.
A edição desta semana do semanário
Sol relembra, numa pequena coluna, a importante data de 25 de Novembro de 1510 que marca a tomada definitiva de Goa pelos portugueses. A História veio mostrar a importância deste acontecimento na consolidação e consequente sucesso da política imperial portuguesa no Oriente.
Para esta importante conquista muito dependeu a raça e génio de D. Afonso de Albuquerque, sucessor do Vice-Rei
D. Francisco de Almeida no papel de governador da Índia. A sua política de territorialidade e ocupação era algo distinta daquela do seu antecessor, podendo no entanto considerar-se uma e outra complementares.
Homem de uma verticalidade e sentido de Estado irrepreensíveis, D. Afonso de Albuquerque afirmou-se como um líder nato, tanto a nível militar como político e administrativo, tendo ainda conseguido diminuir um pouco a corrupção existente naquelas longínquas terras portuguesas, procurando sempre defender os interesses da nossa coroa. A sua ferocidade e indiscutíveis qualidades guerreiras, comprovadas pela sua longa experiência de armas, coroada de enormes sucessos, não só no Oriente, como também no Norte de África, fez com que ficasse conhecido por César do Oriente, Leão dos Mares, o Terrível, o Grande e o Marte Português.
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Gravura tardia, já do séc. XVIII, representando D. Afonso de Albuquerque,
governador da Índia, sucessor de D. Francisco de Almeida. |
Aproveitamos esta data para fazer uma dupla homenagem, a Afonso de Albuquerque e a
Miguel Torga, esse outro bastião da portugalidade, sólido como as montanhas do Marão, de onde do alto da sua escrita granítica redigiu o seguinte poema, posteriormente musicado por compositores de renome como
José Campos e Sousa e
Nuno Nazareth Fernandes.
Afonso de Albuquerque
Quando esta escrevo a Vossa Alteza
Estou com um soluço que é sinal de morte.
Morro à vista de Goa, a fortaleza
Que deixo à Índia a defender-lhe a sorte.
Morro de mal com todos que servi,
Porque eu servi o rei e o povo todo.
Morro quase sem mancha, que não vi
Alma sem mancha à tona deste lodo.
De Oeste a Leste a Índia fica vossa;
De Oeste a Leste o vento da traição
Sopra com força para que não possa
O rei de Portugal tê-la na mão.
Em Deus e em mim o Império tem raízes
Que nem um furacão pode arrancar...
Em Deus e em mim, que temos cicatrizes
Da mesma lança que nos fez lutar.
Em mais ninguém, Senhor, em mais ninguém
O meu sonho cresceu e avassalou
A semente daninha que de além
A tua mão, Senhor, lhe semeou.
Por isso a Índia há de acabar em fumo
Nesses doirados paços de Lisboa;
Por isso a Pátria há de perder o rumo
Das muralhas de Goa.
Por isso o Nilo há de correr no Egipto
E Meca há de guardar o muçulmano
Corpo dum moiro que gerou meu grito
De cristão lusitano.
Por isso melhor é que chegue a hora
E outra vida comece neste fim...
Do que fiz e não fiz não cuido agora:
A Índia inteira falará por mim.
Miguel Torga.