«A pintora Aurélia de Sousa logrou alcançar reconhecimento pela qualidade técnica do seu trabalho, um factor aliado à sua condição de "mulher-artista". Efectivamente, o nome de Aurélia ainda constitui uma excepção dentro da galeria dos grandes pintores portugueses, a par do de Josefa de Óbidos, a pintora do barroco português.»
Adelaide Duarte em Aurélia de Sousa.
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A cidade do Porto foi, na viragem do século XIX para o século XX, um importante farol para a arte e cultura europeias. Da pintura à escultura, passando pela poesia, literatura e filosofia, a Invicta revelou-se berço de génios e ponto congregador de artistas e intelectuais. Em 2016 comemoram-se os 150 anos do nascimento de Aurélia de Sousa, uma das figuras mais relevantes da pintura portuguesa dos últimos 200 anos que, a partir da cidade do Porto, alcançou uma surpreendente notoriedade internacional.
Tendo estudado na Academia de Belas-Artes do Porto, com Marques de Oliveira, e na Académie Julian de Paris, com Jean-Paul Laurens e Benjamin Constant, Aurélia de Sousa destacou-se pelo seu génio e singularidade criativa no meio artístico da sua época. Conhecida como interlocutora da estética naturalista, foi antes de mais uma artista livre de amarras estéticas, sabendo conferir a si mesma uma liberdade definidora dos seus fulgores criativos. Das paisagens aos seus auto-retratos, absorve-se da sua obra pictórica o registo intimista das vivências quotidianas da sociedade do seu tempo. Artista de transição, inspirada e atenta – tanto à tradição como às revoluções artísticas da sua época –, Aurélia de Sousa anunciou a convulsão emergente da modernidade.
Contrariamente ao que se tem vindo a afirmar junto de certos círculos, esta artista portuguesa nascida a 13 de Junho de 1866, em Valparaíso, no Chile, não representa, tal como o conjunto da sua obra, qualquer forma percursora do feminismo em Portugal. Pelo contrário, o que Aurélia de Sousa tão bem conseguiu imortalizar nas suas obras foi a beleza e delicadeza da essência feminina em todo o seu esplendor. Não obstante a existência das possíveis condicionantes e constrangimentos que, naquela época, poderiam advir da sua condição de mulher, esse factor jamais constituiu um obstáculo à consagração do seu génio.
Para além de ter estudado em França, Aurélia de Sousa também expôs naquele país, onde a sua obra foi, tal como em Portugal, aclamada e premiada. Assente numa matriz bem portuguesa, a qualidade do seu trabalho levou a que a sua carreira tomasse uma dimensão internacional, sendo ainda hoje aclamada como a principal pintora lusitana desde Josefa de Óbidos. Viajante inquieta e experimentadora de novas técnicas de pintura, dedicou-se também à ilustração e à fotografia. Desde cedo respeitada e admirada por críticos e colegas, fez da Quinta da China, propriedade adquirida pelos seus pais na cidade do Porto aquando do regresso da América do Sul, o seu espaço de predilecção, instalando aí a sua oficina de pintura.
Tendo em vista a celebração dos 150 anos do seu nascimento, inaugurou-se, no passado dia 13 de Junho, uma exposição intitulada “Aurélia, mulher e artista”. Esta mostra encontra-se dispersa por dois espaços distintos: Museu da Quinta de Santiago, em Leça da Palmeira; Casa-Museu Marta Ortigão Sampaio, no Porto. Esta última instituição – recorde-se –, reúne, juntamente com o Museu Nacional Soares dos Reis, o principal espólio desta artista. Organizada pelas autarquias do Porto e Matosinhos, esta exposição foi comissariada por Filipa Lowndes Vicente do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Patente ao público até ao dia 30 de Outubro, esta será, seguramente, a principal exposição póstuma de Aurélia de Sousa. Uma justa homenagem àquela que constitui um dos grandes “génios ocultos” legados por Portugal à arte europeia.