«Os propósitos de D. Manuel são evidentes, inscritos que estivessem ou não numa lógica imperialista de largo escopo: o ataque ao Infiel em geral e ao reino de Fez em particular desenha-se pelo enredamento da capital numa teia de fortalezas espalhadas pela orla marítima, que para além disso pretendem controlar a navegação corsária e garantir o acesso a zonas de grande interesse económico para os Portugueses, como é o caso da região de Safim. (...)
Uma rede de fortalezas ao norte e outra a sul rodeiam à distância a capital do reino de Fez, como se disse, mas pelo meio abria-se um largo espaço vazio. É justamente aí, na foz do rio Cebu, que passa quase ao lado da cidade e representaria o ponto mais próximo em poder dos Portugueses, que se pretende em 1515 erigir uma fortaleza, mas a expedição redunda num tremendo fracasso...»
Francisco Contente Domingues em Nova História Militar de Portugal vol. 2.
Uma representação antiga da praça-forte de Safim. |
Tivesse a empresa portuguesa de 1515 tido um outro desfecho e talvez o futuro da História de Portugal, bem como da política de expansão e ocupação norte-africana, tivesse sido bem diferente. Um ataque mouro durante o período de baixa-mar, impedindo a deslocação das embarcações portuguesas conduziu-nos a uma pesada derrota, cujos efeitos se revelariam desastrosos ao predomínio português naquela região. Beneficiando da política interna de Marrocos, os mouros conseguiram conter o imputo conquistador dos portugueses, contribuindo em certa medida para a falência dos objectivos maiores da manutenção das nossas praças-fortes, ou seja, a criação de uma rede de defesa-ataque capaz de estrangular as comunicações entre os bastiões inimigos, assim como controlar o corso e pirataria praticado contra a costa e embarcações portuguesas. Gorados estes objectivos, as praças portuguesas acabariam rapidamente por transformar-se em grandes sorvedouros de recursos humanos e financeiros.
Estas e outras razões, tais como o desenvolvimento militar dos norte-africanos, aliados ao crescimento de um mobilização generalizada de Jihad contra Portugal, levaram a uma alteração da política externa portuguesa quanto à manutenção dos seus territórios naquela região. O gradual abandono desses territórios, facto mais tarde encarado por D. Sebastião como um retrocesso do triunfo da Cristandade e do Império Português, levaria décadas depois à terrível e nefasta contenda de 4 de Agosto de 1578.
Safim foi oficialmente uma possessão da coroa portuguesa entre 1508 e 1541, apesar de já reconhecer Portugal como potência dominadora desde 1488. Não obstante o curto período de tempo em que a praça-forte esteve debaixo de domínio português, as marcas históricas são ainda hoje bastante consideráveis. Envolta por uma complexa cintura de muralhas com aproximadamente 3 km de extensão, Safim assumiu-se como um importante entreposto entre a costa atlântica e a cidade de Marráquexe. O projecto do complexo defensivo ficou a cargo dos distintos irmãos Diogo de Arruda e Francisco de Arruda, representando hoje um importantíssimo vestígio patrimonial e arquitectónico da presença portuguesa no além-mar. O baluarte circular, também conhecido por Castelo de Terra, constitui outra das importantes marcas da passagem dos portugueses por aquela cidade, bem como o Castelo do Mar, uma fortificação de apoio à defesa costeira, ou própria Catedral de Safim, hoje reconvertida em museu.
Fotografia do interior da Catedral Portuguesa de Safim. |
Esta antiga praça portuguesa chamou-nos recentemente a atenção por duas
razões distintas. A primeira prende-se com a abertura de uma rota área
directa entre as cidades do Porto e Marráquexe, assegurada pela
companhia aérea Ryanair, o que
por certo facilitará a deslocação de todos os potenciais interessados em
conhecer o património e legado português espalhado além-mar. A segunda
advém da excelente notícia que nos foi avançada pela mais recente newsletter da Fundação Calouste Gulbenkian,
dando conta da entrega do projecto final para a recuperação da Catedral
de Safim e da sua envolvente histórica ao ministro da cultura de
Marrocos. Recordamos que ao abrigo de uma convenção assinada em Abril de
2007, no âmbito da IX Cimeira Luso-Marroquina, a Gulbenkian ficaria
responsável pela futura intervenção na catedral e zona envolvente,
ficando a recuperação da área adjacente e respectivas infra-estruturas a
cargo das autoridades marroquinas. Uma decisão final sobre o avanço
deste projecto será dada pelo Governo de Marrocos, podendo desde já
regozijar-nos pelo importante passo dado na direcção da defesa e
salvaguarda deste importante património comum.
Safim, uma das Maravilhas de Portugal no Mundo.
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