sábado, 20 de novembro de 2010

A pena de quem tem duas virtudes

Procurando expiar nos seus heterónimos e semi-heterónimos o mal nascido da sua frenético-compulsiva actividade cognitiva, Fernando Pessoa viveu ainda assim numa permanente angústia originada  pela interminável busca da verdade e do tudo, através da sua enorme heterodoxia intelectual. 
Um dos seus semi-heterónimos mais curiosos é indubitavelmente Álvaro Coelho de Athayde, 20º Barão de Teive. Tendo escrito um único livro, inicialmente intitulado O último manuscrito do Barão de Teive, este viria a ficar conhecido por O único manuscrito do Barão de Teive, assistindo-se nesta obra ao relato extraordinário e assaz angustiante da procura falhada da adequação ou conjugação da racionalidade e das paixões.
O excerto de seguida transcrito mostra bem o cerne da discussão em torno do pensamento Teiviano, iluminando as reminiscências deste heterónimo inacabado e sacrificado mortalmente de forma a poupar e preservar o próprio Pessoa.
«Não há maior tragédia do que a igual intensidade, na mesma alma ou no mesmo homem, do sentimento intelectual e do sentimento moral. Para que um homem possa ser distintamente e absolutamente moral, tem que ser um pouco estúpido. Para que um homem possa ser absolutamente intelectual, tem que ser um pouco imoral. Não sei que jogo ou ironia das coisas condena o homem à impossibilidade desta dualidade em grande. Por meu mal, ela dá-se em mim. Assim, por ter duas virtudes, nunca pude fazer nada de mim. Não foi o excesso de uma qualidade, mas o excesso de duas, que me matou para a vida»
Barão de Teive em A Educação do Estóico.

Frontispício da edição da Assírio & Alvim de A Educação
do Estóico
, da autoria do Barão de Teive.

3 comentários:

  1. Belíssimo.

    Felizmente tenho esta obra aqui a meu lado aguardando melhoras horas que me permitam desfrutar uma leitura lenta, demorada. Como essa que nos propícia um "Livro do Desassossego".

    E quase já me havia esquecido que a tenho aqui na estante , há tanto tempo, e ainda lhe não peguei.

    Obrigado pela lembrança.

    Abraço de Longe,

    Luís F. Afonso, NBJ

    ResponderEliminar
  2. Ora essa. Espero que as reflexões posteriormente feitas em torno dessas leituras possam vir também a ser partilhadas.

    Um abraço.

    ResponderEliminar
  3. Não conheço este personagem nem o livro, contudo a passagem que você escolheu deixou-me com vontade de ler mais. Obrigado!

    ResponderEliminar