No rescaldo da Epifania, aproveitamos o momento para lembrar duas importantes pinturas do nosso património artístico quinhentista. A primeira, uma Adoração dos Reis Magos, obra de inícios do século XVI, da autoria do mestre Grão Vasco; a segunda, O Inferno, um trabalho de oficina, datado de finais da primeira metade do século XVI, cuja identidade dos autores se desconhece quase por completo.
Ambos os quadros representam obras bastante interessantes, tanto do ponto de vista plástico, como iconográfico, podendo-se a este nível proceder a profundas e extensas dissertações. Contudo, é um dos pontos existentes em comum entre os dois quadros que gostaríamos de destacar - a presença do índio.
Com a descoberta oficial do Brasil, protagonizada por Pedro Álvares Cabral no ano de 1500, Grão Vasco terá decidido introduzir na sua Adoração dos Reis Magos esse novo elemento exótico, trazido pelos relatos dos navegadores portugueses vindos de Terras de Vera Cruz. A mensagem era clara. Mais um povo, mais uma raça, para a família de Cristo, introduzida aos desígnios da civilização cristã pela mão dos portugueses.
Adoração dos Reis Magos, pintura da autoria do mestre Vasco Fernandes, exposta no Museu Grão Vasco, representando um dos Reis Magos como um índio brasileiro. |
Contudo, a verdade estava longe de ser não simples e linear. A evangelização dos índios brasileiros revelou-se, gradualmente, mais difícil do que inicialmente se esperava. Por outro lado, os navegadores portugueses à chegada a Terras do Pau-Brasil, ao verem as índias desnudas, facilmente perdiam a vontade de regressar, cedendo rapidamente às tentações carnais, julgando terem encontrado o paraíso terrestre, a Ilha dos Amores cantada por Luís Vaz de Camões na sua epopeia Os Lusíadas.
Deste modo, a figura do índio foi, rapidamente, demonizada em virtude da sua resistência à cristianização, bem como à aculturação civilizacional perpetrada pelos portugueses. Não será por isso de estranhar que, apenas alguns anos após Grão Vasco ter pintado a sua Adoração dos Reis Magos, retratando um índio como membro da grande família cristã, tenha nascido numa oficina de pintura portuguesa a obra O Inferno, retratando o nativo brasileiro, não como um fiel de Deus, mas como o próprio Diabo.
O Inferno, pintura de oficina de autores desconhecidos, exposta no Museu Nacional de Arte Antiga. De salientar a representação do Diabo, assumindo o aspecto de um índio brasileiro. |
Magnífico! Simplesmente...
ResponderEliminarAbraço,
NBJ
Obrigado! Fico muito contente por teres gostado! :)
ResponderEliminarUm abraço!
Posso saber de onde retiras-te essa informação? Brigada
ResponderEliminarEstimada Maria,
ResponderEliminarQue se saiba, esta interpretação iconográfica não aparece escrita em nenhuma obra em particular. Ela resulta de uma leitura feita pelo Professor Doutor José Manuel Tedim (Univ. Portucalense / Univ. Coimbra), aqui apropriada e adaptada.
Atentamente,
NCP
Na minha opinião foi uma excelente interpretação.
ResponderEliminarGrata pela resposta.