Não será nenhuma novidade, mas passamos hoje por tempos bastante conturbados e obscuros. Vivemos aquilo a que muitos chamam de "dias do fim". Passadas quatro décadas desde que findou a última estação do Império Português, vivemos cada vez mais de um modo individualista e egocêntrico sem que, aparentemente, qualquer desígnio maior se manifeste para, por ele, podermos entregar-lhe a nossa vida. Seja por sacrifício, ou mera fidelidade e espiritual dedicação.
A acomodação das últimas gerações, o domínio sobre estas imposto através do controlo da sua força genésica e o arrefecimento do sangue quente aburguesaram, padronizadamente, a nossa juventude. Alienada e sujeitada às evidências em que a obrigam a acreditar, ela resigna-se, deixando-se sobreviver, contentando-se com o pouco que lhe é garantido como seguro. Neste cenário terrível, muitos são os que, entre os mais esclarecidos, acabam também por resignar-se ou soçobrar. A solidão e a desolação são fortes inimigos que, tal como a cegueira dos simples e pobres de espírito, nos empurram a todos para a desistência, o desânimo e, consequentemente, para a mediocridade, fazendo esquecer que viver é afinal um sinónimo de lutar.
O tempo presente é para cada indivíduo o seu espaço de criação, conquista, amor e paixão. Não devemos por isso de fugir ao nosso destino de soldados, procurando saídas fáceis ou confortáveis. Sejamos heróis, ainda que em sacrifício de nós mesmos, mas nunca desertores ou delatores. Não estando livre de errar, reside no indivíduo a escolha de querer viver no erro, ou de ultrapassá-lo, superando-o com heróica e elegante grandeza.
No fundo, esta foi uma das intemporais mensagens que João Ameal perpetuou, em 1942, no seu livro Rumo da Juventude. Importa conhecer as suas palavras, carregadas de uma enorme actualidade e amor por uma vida verdadeira:
«Quis a Providência que viéssemos numa hora crítica e ardente, cheia de angústias, de problemas, de conflitos. Será por fazer parte duma geração que já principiou a viver dentro desta atmosfera intensa? Será por não ter chegado a gozar os moles benefícios e as suaves apatias da vida de há cinquenta anos? O certo é que me parece dever a Deus uma graça inestimável por me haver feito conhecer este grande momento da História - em que se abrem caminhos novos e se sentem germinar as seguras promessas de um mundo diferente.
(...)
Como não há-de, pois, entristecer-me o saudosismo desses espíritos fracos que lamentam não ter nascido cinquenta anos mais cedo?...Quanto a mim, se me fosse dado a escolher, escolheria ter nascido quando nasci - no limiar deste século agitado, convulso, dramático, renovador. Escolheria assim, justamente por ser um campo de batalha em que todos os homens conscientes se vêem obrigados a defender a sua trincheira. Já o adivinhava Ernesto Hello (e note-se: em plena atmosfera equívoca do liberalismo declinante), ao traçar a frase profética: - "A sociedade em que vivemos obrigará cada homem a definir-se, a pronunciar-se, a ser, mesmo involuntariamente, soldado..."
(...)
A vida é luta sem fim. O futuro sai, modelado por nossas mãos, da ígnea tormenta das batalhas. Pobres dos que não sabem afrontar este viril imperativo do Destino!»
João Ameal (1902-1982). |
Sem comentários:
Enviar um comentário