quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Património espiritual pátrio a saque

«Quando, ao lado da ponte ou da estrada que lançamos para comodidade dos povos, reparamos o castelo ou o monumento, reintegramos a pequena igreja secular ou o mosteiro abandonado, alguns não vêem que trabalhamos para manter a identidade do ser colectivo, reforçando a nossa personalidade nacional. É isso que fazemos.
Aquelas qualidades que se revelaram e fixaram e fazem de nós o que somos e não outros; aquela doçura de sentimentos, aquela modéstia, aquele espírito de humanidade, tão raro hoje no mundo; aquela parte de espiritualidade que, mau grado tudo que a combate inspira ainda a vida portuguesa; o ânimo sofredor; a valentia sem alardes; a facilidade de adaptação e ao mesmo tempo a capacidade de imprimir no meio exterior os traços do modo de ser próprio; o apreço dos valores morais; a fé no direito, na justiça, na igualdade dos homens e dos povos; tudo isso, que não é material nem lucrativo, constitui traços do carácter nacional. Se por outro lado contemplamos a História maravilhosa deste pequeno povo, quase tão pobre hoje como antes de descobrir o mundo; as pegadas que deixou pela terra de novo conquistada ou descoberta; a beleza dos monumentos que ergueu; a língua e literatura que criou; a vastidão dos domínios onde continua, com exemplar fidelidade à sua História e carácter, alta missão civilizadora - concluiremos que Portugal vale bem o orgulho de se ser português.
»
Dr. António de Oliveira Salazar numa comunicação em meados da década de 1940.

Igreja Românica de São Fins de Friestas.

As doutas palavras de António de Oliveira Salazar são hoje mais fortes e oportunas do que nunca. O retrocesso civilizacional resultante de um abastardamento cultural perpetrado oficialmente, de um modo terrorista, por um regime ilegítimo logo a partir de 25 de Abril de 1974, conduziu a um desastroso desenraizamento pátrio, assente no descrédito e achincalhamento da História Portuguesa, numa tentativa de vergar o forte carácter das nossas gentes, impedindo-as de viver segundo os seus valores e virtudes naturais.
Durante os tempos do chamado obscurantismo Estado Novista, promoveu-se a Educação, fomentou-se a Cultura, classificou-se, recuperou-se, protegeu-se e divulgou-se o património nacional. Até os mais pobres e analfabetos respeitavam orgulhosamente o legado dos seus antepassados, fosse o velho castelo edificado, as ruínas de um castro ou o monumento megalítico localizado no meio do terreno agrícola. Naquele tempo a pobreza material não era extensível à pobreza da alma. Foi com o advento da modernidade, acompanhado pela “democracia” do socialismo internacional que a pobreza se generalizou a todos os campos do ser, materiais e metafísicos.
A Educação sofreu pesados retrocessos, passando-se inclusivamente a encerrar escolas que, entretanto, se transformaram em meros centros de ocupação de tempos livres e de embrutecimento cognitivo e intelectual. A decadência e degeneração alastraram assim por toda a população em pouco mais de duas gerações, transformando Portugal num país de novos-ricos, admirados pelo que chega do estrangeiro, o que é moderno, e por tudo o resto que o dinheiro pode comprar. Este é hoje o paradigma que somos ensinados a reverenciar como um bem absoluto que nos foi concedido por um conjunto de nobres libertadores, leia-se oportunistas e mercenários culturicídas que já nem a língua pátria respeitam ou honram, estando dispostos a vender a própria mãe em troca de meia dúzia de tostões. 
Esta situação agrava-se numa época como a nossa, marcada por uma profunda crise económica que, directa ou indirectamente, coloca este paradigma consumista em risco. A hipertrofia mitológica e espiritual da (in)consciência pátria alastra-se ao campo dos valores e dos princípios normativos, arrastando-nos assim para o fundo do grande fosso da decadência, onde só os impuros e indignos gostam de chafurdar-se. 
A provar estas nossas palavras assistem-nos factos. De há uns anos a esta parte tem-se vindo a assistir em Portugal a um aumento exponencial de casos de roubo de património. Não querendo precisar nenhum caso de roubo quase institucional de peças portuguesas que são cedidas a exposições estrangeiras e que nunca mais voltam a ser devolvidas, ou outro qualquer tipo de furto mais obscuro, como é o caso da venda de socalcos do Douro vinhateiro, classificado como Património da Humanidade pela UNESCO, destinados a decorar quintas no Reino Unido, alertámos apenas para a existência de tristes situações como estas que apenas contribuem para o enriquecimento criminoso de quem atenta contra a nossa memória colectiva e tudo aquilo que fomos e somos, hipotecando o que estamos destinados a ser. 
O mais recente escândalo relativo a crimes de lesa pátria por atentados contra o nosso património veio do Norte do país, da pequena localidade de Sanfins, pertencente ao Concelho de Valença. Segundo uma notícia publicada na edição de hoje do Diário de Notícias, a Câmara Municipal de Valença conseguiu impedir atempadamente o roubo e a destruição parcial da fachada da igreja românica de São Fins de Friestas, após o rápido alerta da população local. Segundo o noticiado, algumas das colunas que sustentavam a fachada principal tinham já sido retiradas do monumento, encontrando-se prontas para serem transportadas para parte incerta. Classificada como monumento nacional desde 1910, a igreja de São Fins de Friestas representa um importantíssimo exemplar do românico minhoto, um testemunho impar do período gestativo da nacionalidade portuguesa. Integrada num enorme conjunto natural e arquitectónico de elevado interesse patrimonial e artístico, esta igreja pertencia a um importante mosteiro cuja construção terá iniciado no séc. XII, tendo sido concluída aproximadamente em 1221. A consumar-se este crime ter-se-ia perdido, irreversivelmente, um importante elemento histórico-patrimonial nacional, por isso, a autarquia local anunciou, entre outras medidas, a restrição do acesso de viaturas ao monumento. Contudo, medidas como esta não serão de todo suficientes para assegurar a integridade e preservação do monumento. Isolado de tudo, este poderá ser agora vítima de retaliações terroristas, sofrendo ataques destruidores semelhantes aos que algumas das gravuras de Foz Côa foram alvo há alguns meses atrás, com consequências e danos irreparáveis.
Primeiramente, é necessário repensar o ensino e a formação dos portugueses, reinvestindo forte numa Educação Pátria, assente nos valores e princípios fundamentais que norteiam e moldam a nossa memória colectiva, consciencializando-nos da nossa própria identidade. Seguidamente, é urgente alterar a legislação portuguesa, penalizando de forma dura e implacável todos os atentados contra o nosso património histórico e nacional. Deve-se ainda reforçar a promoção, salvaguarda e dignificação da nossa cultura patrimonial, tanto a material como a imaterial, reaproximando as pessoas daquilo que lhes pertence, ou mais importante do que isso, ao que elas próprias pertencem. A vigilância dos monumentos torna-se em períodos como este em que vivemos uma obrigação, um dever cívico e patriótico. Hoje não haverá uma Mocidade Portuguesa, ou uma Legião Portuguesa para formar a juventude, mas existe em seu lugar um sem número infindável de parasitas, afectos a um sistema que os alimenta através de Rendimentos Sociais de Inserção e outros subsídios promotores do ócio e de uma decadência interior que, mais cedo ou mais tarde, acaba por revelar-se também exterior. A estes sorvedouros, junta-se uma classe militar desocupada, constituída maioritariamente por mercenários gandulos, sem qualquer tipo de sentimento ou respeito pela carreira que abraçam. Deste modo, tanto as pessoas em situação de dependência económica do Estado, como as próprias Forças Armadas, deveriam contribuir para a sociedade que os sustenta, sendo a vigilância de proximidade dos monumentos e sítios históricos uma alternativa bastante plausível, um pouco como felizmente vai já acontecendo com os patrulhamentos das matas e florestas nacionais durante os períodos de maior incidência de incêndios. 
Importa voltar a lembrar que salvar Portugal significa alcançar a nossa derradeira salvação. 

Desenho da fachada da igreja de São Fins de Friestas.

Planta do complexo religioso de São Fins de Friestas.

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