quarta-feira, 27 de outubro de 2010

O misticismo artístico de António Carneiro

Em poucos pintores podemos assistir a um diálogo tão próximo entre Deus, uma metafísica do Eu, poesia  e expressão plástica, como em António Carneiro. O abandono do pai, a morte da mãe enquanto era ainda bastante novo e, posteriormente, a precoce morte da sua filha Maria Josefina, abriram feridas incicatrizáveis no seu Ser, assim como as portas da percepção divina.
Nascido na cidade de Amarante, no seio de uma família humilde, a 16 de Setembro de 1872, este artista português encarnou o papel de um dos mais interessantes artistas portugueses da sua época, trilhando um caminho inimitável, singular na História da Pintura Portuguesa dos sécs. XIX e XX. Tendo iniciado os seus estudos artísticos com o intuito de tornar-se escultor, foi nos domínios da pintura, desenho e ilustração que se destacou, permanecendo marginal ao gosto generalizado da época, sem descurar porém as correntes e discussões artístico-filosóficas vigentes no Portugal da altura.

António Carneiro fotografado no seu atelier em 1929,
diante de um quadro inacabado.

Tendo percorrido vários países como a Bélgica, Brasil, Itália ou França, contactando com diversos círculos artísticos e intelectuais, participando em exposições e mostras de pintura, onde recebeu vários galardões internacionais, foi no entanto Portugal que António Carneiro pintou. Sensível à sua fisionomia natural, interpretando-a como uma das faces de Deus na terra, a sua obra faz lembrar a expressão panteísta cristã do seu conterrâneo e amigo Teixeira de Pascoaes, imortalizando com o seu trabalho os gestos de pessoas, divinizando-as no seu anonimato, tal como às vagas do mar, o voo das gaivotas, entre outros pormenores da sagrada natureza.
«Em Matosinhos, em Leça, António Carneiro espiritualizou também como em toda a parte, as suas criações com uma suave combinação de místico e de bucólico, uma espécie de meia tinta que reluz no colorido das auroras e vela no transbordante dos crepúsculos.
Para António Carneiro, espiritualizar a paisagem era interpretar um sonho, às vezes com uma tristeza de poesia. (...) António Carneiro pintou muito, fazendo largo culto do seu culto de artista. (...)
Ao contrário de Claude Lorrain, António Carneiro não se abstraía dos homens e de todo o resto da criação animal. Mas para ele como para Claude Lorrain, a Natureza eram as árvores, era o chão cheio de sombras ou cheio de sol, eram as transparências liquidas dos regatos, era o mar, eram os rios e eram os segundos planos afastados onde os seus olhos penetravam e imediatamente descobriram uma fuga imprevista do horizonte, uma dilatação luminosa de perspectivas.
A Arte só começa a ser divina quando se torna impassível, e o artista só é um Deus quando, em vez de manifestar as suas ideias, interpreta o pensamento da Natureza. Assim foi, assim fez António Carneiro. (...)
António Carneiro foi, desde menino, um místico que olhava para dentro, para ele mesmo e possivelmente para Deus - um místico com especiais sentimentos poéticos caldeados na desventura do seu modesto nascimento. E como pintor era um artista nato, artista por vocação a manifestar-se desde a adolescência.
»
 Jaime Ferreira em António Carneiro (1972).
 
Torna-se quase arrepiante quando nos apercebemos de como a obra de António Carneiro se tratava de um mero prolongamento da sua força interior, com origem nesse misticismo que transcende a efemeridade terrestre. As imagens que aqui decidimos apresentar, entre fotos, pinturas e desenhos, visam documentar esta realidade, mais do que apresentar a obra deste multifacetado génio da pintura portuguesa que, obviamente, convidamos a (re)descobrir.
Tendo privado com os maiores da sua época, poderia ter-se notabilizado apenas como retratista de uma verdadeira constelação de personalidades marcantes do séc. XX português, sendo Teixeira de Pascoaes, Teixeira Lopes, Cláudio Carneiro, Guerra Junqueiro ou Guilhermina Suggia apenas alguns desses nomes. Mas não, António Carneiro, numa perspectiva positivista revelou-se um artista maior, experimentando diversas gramáticas estéticas, um precursor incompreendido pelas massas, mas acariciado por uma fidelidade férrea entre a elite intelectual, tendo do ponto de vista metafísico transcendido a sua humanidade através da sua obra e vivência gnoseológica, conquistando assim a imortalidade e um merecido lugar entre os grandes do Génio Português.

Fotografia e assinatura de António Carneiro.

Auto-retrado como Ecce-Homo (1901).

Auto-retrato (1918).

Desenho com auto-retrato oferecido e dedicado à
grande violoncelista Guilhermina Suggia. 

Auto-retrato (1923).

Retrato de Teixeira de Pascoaes (1923).

Raquel (estudo para uma obra datada de 1905).

A Ceia (1904).

Tríptico constituído pelos painéis da Esperança, Amor e Saudade (1899-1901).

Eco, Mensageiro da Linguagem Universal (c. 1907).

Nocturno - Largo do Sacristão em Leça (s.d.).

2 comentários:

  1. É com grande honra que descendo deste magnifico pintor

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    1. Realmente é uma honra descender do genial Antonio Carneiro...mas pode dizer em que linha descende deste génio?
      Obg
      Eva Cunha

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