domingo, 27 de outubro de 2013

Comer o que se cultiva

A maquinação da presente crise económica precipitou a falência do paradigma consumista e tecnológico, definidor do chamado mundo moderno. A época do consumo em massa e das ilusões cosméticas, capazes de travestir a felicidade num mero sinónimo de abundância, parece estar, finalmente, a chegar ao fim. Porém, numa sociedade tendencialmente urbana e à espera da sua queda, urge preparar as nossas comunidades para o regresso à terra.
De alguns anos a esta parte têm surgido diversas comunidades e publicações que defendem e promovem um regresso sustentado à terra, apontando alternativas às artificiais tendências “industrializadoras” das políticas agro-alimentares. O desrespeito pela natureza, em nome dos mais obscuros interesses económicos, por norma encapotados por facciosos “estudos científicos” e uma nociva noção de “progresso”, têm paulatinamente “persuadido” vários governos mundiais a conceder uma primazia sobre o uso dos transgénicos, incluindo a manipulação e patenteação de sementes por parte de várias empresas, numa crescente e turbulenta espiral de loucura, coroada pela privatização de outros recursos naturais, tão fundamentais como, por exemplo, a água. Já no século XIX, um célebre livro denunciava o domínio sobre a fome, como um instrumento fundamental para o controlo do poder sobre as massas. Nessa medida, dada a inexistência de uma auto-suficiência alimentar em países como Portugal, estimular a produção de uma forma natural e sustentada equivale a um reassumir da liberdade, ou a uma nova presúria, lembrando as sapientes palavras de Adriano Moreira, proferidas a 28 de Maio de 2012 na Faculdade de Letras da Universidade do Porto: «Terra que não cultivamos e que não pisamos não nos pertence.»
Teorizações à parte, o livro Faça a sua horta biológica de Gayla Trail, recentemente publicado pelo Círculo de Leitores, revela-se um interessante manual prático de introdução à horticultura biológica, abordando de um modo simples e esclarecedor a simplicidade da permacultura, bem como da possibilidade do seu incremento em pequenos espaços urbanos. Na verdade, este livro, aparentemente inocente, pode ser de igual modo tomado como um manual de sobrevivência e reaprendizagem para o homem urbano, cada vez mais consciencializado para a necessidade do regresso ao campo. A sua autora, responsável pelo conhecido sítio de Internet yougrowgirl.com e colaboradora de alguns periódicos como o New York Times, Newsweek, Budget Living e Ready Made, é, há mais de uma década, uma entusiasta da horticultura biológica desenvolvida nos espaços urbanos, estimulando não só a auto-suficiência, mas também a criatividade.

Gayla Trail, autora da obra.

Profusamente ilustrada, esta obra contém não só dicas práticas quanto ao cultivo e manutenção da terra e respectivas sementes, como avança com algumas explicações primárias, mas absolutamente indispensáveis, para quem nunca plantou qualquer tipo de plantas, sejam elas legumes, frutos, ervas aromáticas ou flores comestíveis. Outro aspecto curioso que não foi esquecido pela autora prende-se com o problema do armazenamento e conservação dos produtos após a sua colheita, ou as considerações que a mesma teceu quanto ao modo de confeccionar determinados pratos, recorrendo apenas ao que se cultivou na exiguidade das actuais habitações urbanas.
A publicação de Faça a sua horta biológica segundo o novo acordo ortográfico revela-se o único ponto negativo deste livro que, caso seja lido com o devido cuidado, poderá finalmente impelir muitos dos seus leitores ao início de uma actividade auto-sustentável, a partir dos pequenos espaços das suas casas, sem que haja sequer necessidade da existência de um quintal. O terraço, a varanda, o telhado, o alpendre, o parapeito da janela, ou a simples floreira são aqui apresentados como verdadeiras hortas biológicas em potência. Para além da rentabilização económica, deve-se ainda considerar os vários benefícios para a saúde resultantes das práticas abordadas nesta obra que, definitivamente, reaproximam o homem da terra, das suas raízes e, consequentemente, da sua própria natureza.

Capa do livro Faça a sua horta biológica.

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