Ao contrário do que muita gente ainda pensa, o (des)acordo ortográfico em nada aproxima o português do Brasil do português europeu, usado em Portugal e nos restantes países de expressão lusófona. A origem deste documento há muito que foi denunciada como uma fraude mafiosa, extremamente perigosa para ambas as formas de expressão da Língua Portuguesa. O seu fim último almeja única e exclusivamente o enriquecimento criminoso de alguns grupos económicos, cujo peso e poder lhes permitiu comprar um punhado de políticos mercenários analfabetos mal intencionados. Felizmente, Portugal e os Portugueses têm vindo a acordar e despertar para este verdadeiro genocídio cultural, conforme têm vindo a ser noticiado em alguns meios de comunicação.
Mas não é só em Portugal que as vozes contra o (des)acordo se fazem ouvir. Também em Angola e Moçambique, a oposição é feroz, sendo que essas duas nações africanas não assinaram sequer o malfadado documento. Outra coisa que grande parte dos portugueses também desconhece é o facto dos próprios brasileiros contestarem a imposição de uma nova grafia, com alterações substanciais ao próprio tratamento que dão à língua.
Numa entrevista ao blogue Tantas Páginas, o brasileiro Paulo Franchetti, crítico literário, escritor e professor titular do Departamento de Teoria Literária da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), foi bastante peremptório quando questionado acerca da sua opinião acerca do (des)acordo ortográfico.
«O acordo ortográfico é um aleijão. Linguisticamente malfeito, politicamente mal pensado, socialmente mal justificado e finalmente mal implementado. Foi conduzido, aqui no Brasil, de modo palaciano: a universidade não foi consultada, nem teve participação nos debates (se é que houve debates além dos que talvez ocorram durante o chá da tarde na Academia Brasileira de Letras), e o governo apressadamente o impôs como lei, fazendo com que um acordo para unificar a ortografia vigorasse apenas aqui, antes de vigorar em Portugal. O resultado foi uma norma cheia de buracos e defeitos, de eficácia duvidosa. Não sei a quem o acordo interessa de fato. A ortografia brasileira não será igual à portuguesa. Nem mesmo, agora, a ortografia em cada um dos países será unificada, pois a possibilidade de grafias duplas permite inclusive a construção de híbridos. E se os livros brasileiros não entram em Portugal (e vice-versa) não é por conta da ortografia, mas de barreiras burocráticas e problemas de câmbio que tornam os livros ainda mais caros do que já são no país de origem. E duvido que a ortografia seja uma barreira comercial maior do que a sintaxe e o ai-meu-deus da colocação pronominal. Mas o acordo interessa, é claro, a gente poderosa. Ou não teria sido implementado contra tudo e todos. No Brasil, creio que sobretudo interessa às grandes editoras que publicam dicionários e livros de referência, bem como didáticos. Se cada casa brasileira que tem um exemplar do Houaiss, por exemplo, adquirir um novo, dada a obsolescência do que possui, não há dúvida que haverá benefícios comerciais para a editora e para a Fundação Houaiss – Antonio Houaiss, como se sabe, foi um dos idealizadores e o maior negociador do acordo. O mesmo vale para os autores de gramáticas e livros didáticos – entre os quais se encontram também outros entusiastas da nova ortografia. E não é de espantar que tenham sido justamente esses – e não os linguistas e filólogos vinculados à universidade – os que elaboraram o texto e os termos do acordo. Nem vale a pena referir mais uma vez o custo social de tal negócio: treinamento de docentes, obsolescência súbita de material didático adquirido pelas famílias, adequação de programas de computador, cursos necessários para aprender as abstrusas regras do hífen e outras miuçalhas. De meu ponto de vista, o acordo só interessa a uns poucos e nada à nação brasileira, como um todo. Já Portugal deu uma prova inequívoca de fraqueza ao se submeter ao interesse localista brasileiro, apesar da oposição muito forte de notáveis intelectuais, que, muito mais do que aqui, argumentaram com brilho contra o texto e os objetivos (ou falta de objetivos legítimos) do acordo.»
Paulo Franchetti. |
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