«La musique a besoin d'une dictature.»
A mostra Ruy Coelho: o espólio de um compositor encontra-se patente
ao público na Biblioteca Nacional de Portugal (BNP) entre 4 de Julho e 4 de Outubro de 2014. |
Conforme o apanágio das sociedades contemporâneas, os génios criadores e outras personagens intemporais das nossas comunidades são muitas vezes incompreendidas e proscritas da História. Ora por se encontrarem além do seu tempo, ora devido às mais abjectas variantes da mesquinhez humana. Em vésperas do centenário da revista Orpheu, importa rever algumas dessas injustiças de que foram alvo os mestres da nossa vanguarda.
Patente ao público na BNP, entre os dias 4 de Julho e 4 de Outubro, a mostra Ruy Coelho (1889-1986): o espólio de um compositor visa recuperar esta singular figura do panorama musical português do século XX. Tão incómodo como genial, Ruy Coelho foi sendo definido historicamente pelos seus antagonistas, quase sempre com recurso à mentira, ocultação, deturpação e desinformação. Esta mostra procura proporcionar, através do espólio do compositor, doado à BNP em meados de 2011, um novo olhar, mais autêntico, sobre a sua vida e obra.
Edward Luiz Ayres d’Abreu, o pianista e investigador responsável por esta mostra, afirmou: «Quanto mais descubro Ruy Coelho, mais vejo como é odiável o que lhe fizeram e o que lhe fazem. Odiável é pouco. O abismo entre a qualidade da sua obra e o quanto é conhecida é o abismo mais infame, grotesco, boçal, pérfido que jamais vi.» De facto, o epíteto de “compositor do regime”, associando-o ao espectro político do Estado Novo e à nossa direita radical, bem como a inveja e a incapacidade do statu quo em lidar com o pioneirismo precursor de grande parte da sua obra, acabaram por condicionar a sua exposição e afirmação nos anais oficiais da História da Música Portuguesa.
Nesta mostra dedicada ao compositor, a segunda promovida pela BNP desde 2011, podemos encontrar vários elementos integrantes do seu espólio, entre manuscritos autografados e cópias, materiais de orquestra, impressos da sua obra musical, bem como programas de sala, recortes de imprensa, fotografias, correspondência, cartazes, entre outros documentos e objectos pessoais. Uma visita a esta pequena exposição permite-nos traçar um rápido itinerário pelas suas ligações aos meios culturais e artísticos de Portugal e do estrangeiro. Da sua passagem pelo Conservatório Nacional, onde foi aluno de António Taborda, Marcos Garin, Tomás Borba e Júlio Neuparth, passado pela sua estadia em Berlim e Paris, onde estudou com Engelbert Humperdinck, Max Bruch, Arnold Schoenberg e conviveu com Paul Vidal. De volta a Portugal sublinham-se os contactos com Teófilo Braga, Alexandre Reys Colaço, a sua cumplicidade com a geração de Orpheu, em particular com Almada Negreiros, José Pacheko e António Ferro, assim como a sua aproximação ao ideário da Renascença Portuguesa ou a personalidades como António Corrêa d’Oliveira, Afonso Lopes Vieira, Eugénio de Castro, Júlio Dantas, entre outros.
O compositor Ruy Coelho representa um dos casos mais assombrosos entre a união da tradição e a precocidade da modernidade no âmbito da música erudita do século XX. Um génio português de expressão mundial à espera de ser redescoberto na BNP.
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