Perdemos Cruzeiro Seixas. O último sobrevivente do grupo de surrealistas de Lisboa partiu, ontem, a menos de um mês de completar 100 anos. Poeta, pintor, ilustrador e escultor, foi um sempre um artista completo apesar da sua genuína teimosia rejeitando qualquer um desses epítetos.
Para trás fica a sua obra, as viagens pelo mundo português e uma singular visão sobre a nossa natureza. De modo a homenageá-lo, nada melhor do que partilharmos um dos seus poemas mais evocativos dessa sua complexa relação com os mistérios da patriosofia.
Trota-se por certo de uma sala de operações
até ao infinito
pudicamente flor e crina adolescente
ou seja simplesmente nuvem com árvores erectas
mãos com algemas de prata
lajes tumulares
que na sua ignorância me recusam.
Vê-se logo que nada sabem das formas que a noite toma
descendo e subindo
nos dois sentidos da luz.
Na verdade
quem é que não sente palavras-aranhas na alma?
Quem é que não usa os recantos das janelas góticas
para ali esconder o nevoeiro?
Depois dos arbustos
os bustos cobertos pela neve do futuro,
isto no tempo em que as palavras
ainda pairavam sobre o dilúvio.
Silenciada a esfera armilar
é com esferográfica que te envio as cores reinventadas
prisioneiras entre destroços da mais alta antiguidade
entre o céu e o inferno visíveis
atravessados de veias
e de rios,
de luzes míticas
de loucas viagens
embalsamadas.
Cruzeiro Seixas
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