«Muitas revoluções, nenhuma Revolução. Em quatro palavras este poderia ser um curtíssimo resumo da história política do Portugal contemporâneo.»
José Miguel Sardica em Terminar a Revolução.
O grande terramoto que a 1 de Novembro de 1755 varreu Portugal marcou de forma simbólica o nosso traumático despertar para a contemporaneidade. A esta sísmica catástrofe, de ordem natural e escatológica, multiplicaram-se sucessivas réplicas e ondas de choque, responsáveis por uma espiral de profundas mudanças de ordem política e, consequentemente, social.
A derrocada da muralha tradicional permitiu a propagação de um espírito estrangeirado que, sobretudo após a Revolução Francesa, contribuiu para a desagregação das nossas instituições. Estas, de forma gradual, foram deixando de servir os interesses nacionais e do Povo português. A obscura influência iluminista, agravada pelas invasões napoleónicas, agudizou este processo de dissolução, trazendo múltiplas fracturas à orgânica da nossa comunidade nacional. Assim, o período compreendido entre a chegada das legiões de Napoleão e a instauração do Estado Novo foi de constante convulsão e revolução. Uma revolução que, em alguns momentos, se chegou mesmo a transformar em guerra civil, trazendo pouca ou nenhuma concórdia e regeneração à nação, com a excepção da Revolução Nacional de 28 de Maio e do regime que lhe sucedeu.
Terminar a Revolução: A política portuguesa de Napoleão a Salazar, publicado pela Temas e Debates / Círculo de Leitores, perspectiva essas páginas da nossa História integrando-as, estruturalmente, no pensamento histórico-político contemporâneo. O seu autor, José Miguel Sardica, Professor na Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa, autor de uma vasta obra no domínio da História Contemporânea de Portugal, cruza neste livro diversos regimes e momentos da política nacional, procurando definir e compreender cada um deles à luz do seu próprio postulado político-ideológico. Embora preso a determinados chavões impostos pelos “ventos da História”, este volume interpreta de forma cativante alguns dos sentidos dados à palavra “revolução”, analisando vários protagonistas históricos e os seus respectivos ideários.
Por outras palavras, esta obra de José Miguel Sardica aborda cerca de 200 anos da História de Portugal, incorporando-a nos momentos definidores da História da contemporaneidade europeia. Este estudo sobre o papel da “revolução” na política portuguesa ao longo dos últimos dois séculos mostra Portugal como um dos muitos cenários daquela a que o Professor Adriano Moreira designou de “Grande Guerra Civil Europeia” - o conflito que dividiu a Europa numa contenda fratricida entre 1789 e 1974.
Num momento histórico em que por todo o mundo se discute com afinco e paixão a questão das revoluções - sobre quem as faz e qual a sua legitimidade -, pode dizer-se que esta obra surge num momento pertinente, no qual importa estudar e conhecer as especificidades do caso português. Por esse motivo e dado o convite à reflexão deixado pela leitura desta obra, não nos podemos abster de questionar alguns aspectos da mesma, logo a começar pelo título: Terminar a Revolução. Assim, interrogámo-nos sobre que revolução importara terminar. Afinal, segundo nos aparece várias vezes mencionado na tradição filosófica portuguesa, a palavra revolução surge-nos associada à ideia de retorno e ao acto de revolver, num sentido de reaproximação de um centro, ou de uma matriz. Um regresso à tradição. Nesse caso, ao contrário do sugerido pelo autor e grande parte da actual historiografia, não teria sido António de Oliveira Salazar o mais autêntico e revolucionário dos líderes políticos portugueses nos últimos 200 anos? Não terá sido o Estado Novo o exacto contrário de um qualquer interregno revolucionário?
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