«Dias em que todos sabemos o que é preciso fazer, dias em que o que é preciso fazer ganha uma urgência enorme, dias em que todos os que podiam fazer alguma coisa se obstinam em fazer exactamente o contrário do que deviam, perante a indignação, a impotência, o desespero dos cidadãos. Dias em que já nem sequer se pode falar de irresponsabilidade, mas de perversidade.»
José Pacheco Pereira na introdução do livro Crónicas dos dias do lixo.
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“Dias do lixo” foi a expressão cunhada por José Pacheco Pereira para descrever a actualidade político-social de um Portugal circunscrito e limitado à pequenez estéril da sua presente classe política. Uma expressão que, além de integrar o título do seu último livro – Crónicas dos dias do lixo –, reflecte um julgamento crítico e acusatório do autor face ao gradual processo de destruição nacional levado a cabo durante o final da governação de José Sócrates e a suposta era “refundadora” de Pedro Passos Coelho.
Logo nas primeiras páginas do seu livro, José Pacheco Pereira explica de forma simples e concisa a escolha do título: «Dias do lixo, para não usar uma expressão mais forte, porque é o que eles são.» Publicada pela Temas e Debates / Círculo de Leitores, esta obra colige um conjunto de textos e de crónicas publicadas entre 2010 e os inícios de 2013 no jornal Público, na revista Sábado e no blogue Abrupto, bem como alguns inéditos só agora divulgados publicamente.
O autor destas crónicas dispensa apresentações. Assumindo-se hoje como um ex-político, outrora deputado à Assembleia da República e ao Parlamento Europeu, o bibliómano, também professor do ISCTE, é hoje um reconhecido cronista e “opinion maker” na nossa imprensa escrita e televisão. Facto que, conhecendo-se a essência da sociedade massemediatizada do espectáculo, o coloca numa posição de proa na hierarquia política contemporânea. Assim, não nos equivocamos ao olhar as reflexões apresentadas nesta obra como parte integrante de um acto político levado a cena semana após semana, crónica após crónica.
Efectivamente, não obstante a natureza diversificada dos textos que integram o corpo constituinte deste livro, abordando temáticas ligadas à sociedade, economia e cultura, numa perspectiva nacional e internacional, é indiscutível o fundo político que estes encerram. Crónica panfletária, maquiavelismo político, “agit prop”, ou mero “realpolitik”? Caberá ao leitor ditar a melhor classificação deste olhar sobre os nossos “dias do lixo” que, estando longe de ter tido a sua génese durante o período de governação de José Sócrates, não conhecerão, infelizmente, o seu fim com a actual experiência governativa de Pedro Passos Coelho. Afinal, conforme nos adverte José Pacheco Pereira, com os portugueses em morte cerebral, esses filhos de um Portugal que mais parece um Weimarzinho, estamos condenados a um rotativismo político crónico, absolutamente compatível com a nossa condição de protectorado face à União Europeia.
Por último, não podemos deixar de fazer uma referência à nota introdutória do autor, concernente à ortografia em que a obra foi publicada. Conhecido pela sua convicta oposição face ao AO90, não deixa de nos chocar a missiva com que termina a sua introdução às Crónicas dos dias do lixo, pedindo desculpa aos leitores pela “bizarra ortografia em que vão ler estas palavras”, assumindo essa concessão aos editores pelo mérito de terem “aceitado publicar este livro no árido deserto editorial destes dias.”
Obra de inquestionável valor e interesse, reveladora no seu conteúdo de uma consistente liberdade política e intelectual, merecia na sua ortografia evidenciar também a tão louvável consciência e independência do seu autor.
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