terça-feira, 24 de maio de 2016

Animais e Companhia na História de Portugal

«Ao entendermos os animais como sujeitos culturais cujos comportamentos são objecto de análise histórica, estamos a pensar as ligações entre pessoas e bichos no seio de comunidades onde se vive em conjunto.»
  Isabel Drumond Braga e Paulo Drumond Braga em

Ao longo da História, o Homem evoluiu e desenvolveu-se enquanto espécie através de um contacto íntimo com uma natureza integradora. A importância do meio e de tudo o que este congrega - entre fauna, flora ou a própria corografia -, condicionaram ou potencializaram o desenvolvimento das comunidades humanas. Mais do que meras criaturas sujeitas aos interesses e vontades do ser humano, os animais constituíram sempre um elo entre o Homem e a natureza. No caso português, os animais apresentam-se, igualmente, indissociáveis de um processo de construção histórica que nos conduz da formação da nacionalidade até à constituição do nosso Império.
A temática poderá não causar grande surpresa aos leitores mais atentos, mas por certo suscitará o interessante de muitos. Longe de constituir uma apologia ao animalismo patológico que infecta a sociedade contemporânea, o estudo da influência animal na História de Portugal corresponde à integração da bio-história na historiografia tradicional, relacionando-a com outras áreas de especialização que nos permitem acrescentar novos dados aos conhecimentos clássicos e factuais.
Publicado pelo Círculo de Leitores, Animais e Companhia na História de Portugal explora um lado menos conhecido da nossa História, vindo subsidiar uma outra colecção sobre a História da Vida Privada em Portugal, publicada há poucos anos pela mesma editora. De facto, a presença e interacção dos animais no seio das nossas comunidades perde-se nos alvores dos tempos. Tratando-se de uma relação tão banal como as existentes entre os homens, ainda que de uma natureza completamente distinta, acabamos muitas vezes por esquecer, irreflectidamente, a importância que os animais tiveram e ainda têm na nossa vida quotidiana, bem como tudo aquilo que nos permitiram alcançar, ou ajudaram a conquistar ao longo dos tempos.
Organizado por Isabel Drumond Braga e Paulo Drumond Braga, esta obra divide-se em quatro partes, abordando matérias e áreas de investigação bastantes distintas. Na primeira parte, intitulada Sob as Ópticas do Utilitarismo e do Controlo, este trabalho trata a correspondência de base entre os animais e a alimentação humana, hierarquizando os consumos e as ligações quotidianas motivadas pela própria sobrevivência. Este capítulo explora ainda a instrumentalização dos animais para funções de trabalho, transporte e guerra, sublinhando ainda as diferenças entre os animais de companhia e aqueles que constituíam perigos, ou ameaças para as nossas comunidades. A segunda parte, Entre o Lúdico e o Perverso, disseca domínios tão díspares como a caça, tauromaquia, bestialidade, ou os fins ocultos aos quais estavam associados alguns animais tradicionalmente relacionados à magia, bruxaria e superstições populares. Segue-se A Descoberta de Novas Espécies Animais que, obrigatoriamente, remete o leitor para a Expansão e Descobrimentos Portugueses. Essa heróica gesta que também contribuiu para o desenvolvimento do conhecimento científico, apresentando ao mundo ocidental espécies animais até então desconhecidas, motivando o aparecimento dos gabinetes de curiosidades, ou a criação de parques como o Jardim Zoológico de Lisboa. Por fim, a obra encerra com um olhar sobre o animal na literatura e na arte, num capítulo intitulado Animais, Cultura e Arte.
Repleto de pequenos factos e curiosidades que oferecem um outro colorido à nossa História, Animais e Companhia na História de Portugal remete-nos para obras como Animais, Homens e Mitos de Richard Lewinsohn, ou alguns dos trabalhos da chamada “História Total” – corrente historiográfica francesa saída da terceira geração da Escola dos Annales. Esta obra colectiva constitui a primeira grande tentativa de compilar e sistematizar as relações entre os homens e os animais na História de Portugal, pelo que importa ser lida e debatida à luz das novas perspectivas que apresenta.

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